segunda-feira, 4 de março de 2013

Um diário pro futuro

A gente que escreve tem umas inspirações um tanto quanto diferentes, as vezes. Hoje cheguei da faculdade e num momento pensei em escrever um texto relatando um dia do meu futuro. Como um diário, só que contando um dia que ainda não vivi. Pode botar uns 50 anos na frente aí.


Algum Domingo tranquilo, 50 anos a frente.



Acordei com o aboio do vaqueiro da casa juntando o gado no curral, o cheiro do café coado já invadia o quarto como que me chamando à mesa. A casa não se deixava abalar pela melodia chorosa vinda de fora, eu e a caboclinha éramos os únicos despertos. A cena de toda manhã me fazia sorrir um sorriso sincero, indiferente a tudo que pudesse ter me arreliado no dia anterior. Tomei o meu café na companhia da caboclinha do riso bonito, que me encantou quando moço e continua me encantando a cada olhar. Engraçado viver aquela cena e lembrar quantas vezes ela foi sonhada antes de ser vivida, faz ver que vale a pena não só sonhar, mas correr atrás dos seus sonhos. Um beijo amoroso, é hora da lida. Caboclinha começa a coordenar os trabalhos na cozinha, dá gosto de ver o amor com que ela faz as coisas. Visto a calça surrada e as botas enfadadas, a vacaria já espera atenta para o início da ordenha.
Zé, o vaqueiro, já tem arriado duas reses e me espera sentado no banquinho de madeira terminando de enrolar o próximo cigarro. Enfim começamos. Geralmente a conversa que rege a ordenha é sobre vaquejadas passadas, causos vividos e cavalos montados. A nostalgia é corriqueira. Ao término da ordenha, me banho e sigo para a cozinha, é hora do café-da-manhã.
A casa já funciona a pleno vapor, ao chegar à cozinha é hora de pedir a benção de meu pai e minha mãe, entretidos em uma conversa qualquer meu irmão e minha esposa, e abençoar filhos, netos e sobrinhos. É domingo e estão todos presentes em volta da mesa. A mesa é farta, como mesa de sertanejo tem que ser. A refeição é demorada, ter a família reunida assim é indescritível. Ao fim do café-da-manhã, o neto mais novo me pede para selar Confeito, seu cavalo alazão, para passear com os primos. O sorriso em meu rosto é instantâneo, ver sua descendência perpetuando os hábitos da família não tem preço.
Depois de selar Confeito e dar as instruções para evitar que as crianças se machuquem, sigo para a cocheira. Zé já tem dado ração ao gado e está escovando os cavalos, cantarolando uma toada qualquer. Peço que ele não dê ração aos cavalos, que vou montar, ele já corre satisfeito para prender o gado de correr no mourão. Selo Pecado, meu cavalo de canhota, e Rocinante, o cavalo de esteira do meu pai correr. Enquanto visto as perneiras, meu pai chega animado para montar comigo. Nesse momento a casa inteira começa a se acomodar para ver o treino. Os homens seguem para o mourão, as mulheres sentam-se no alpendre da casa para ver protegidas do sol enquanto brigam com as crianças que querem subir na cerca para assistir.
Passo os cavalos com meu pai. Meu filho sela Princesa, sua égua de direita, e se junta a nós no treino. Meu pai está em forma, não deixa passar um boi. Meu filho é vaqueiro por natureza, nos “coloca no bolso” como diz o ditado. Depois da corrida banhamos os cavalos e aí vamos aproveitar o resto da manhã. Coloco a ração deles e sigo para o alpendre, onde a minha caboclinha está deitada na rede lendo algum clássico, como é de costume fazer toda manhã.
No almoço, repete-se a cena da mesa cheia. As refeições, com a família reunida, tornaram-se a melhor hora do dia. A tarde tiro um cochilo no chão frio da sala, depois levanto e observo meus pais jogarem canastra com as duas noras. Sempre que se encontram aqui, a mesa embaixo do pé de canela vira ponto de jogo. Próximo a eles, as crianças brincam correndo atrás das galinhas.
A tarde caminha devagar, recebo a visita ligeira de uns compadres. É hora de voltar a lida, alimento os bichos e começo a preparar-me para entrar. A noite chega e trás com ela a despedida de meu irmão, cunhada, pais, filhos, netos, nora, genro, sobrinhos... Restamos eu e minha caboclinha, a quem ainda carinhosamente chamo, mesmo depois de tanto tempo juntos, de meu bebê.
Após o jantar, desejo boa noite ao vaqueiro e sua família e sigo para dentro. Lá, o meu amor espera por mim para assistir um filme antes de dormir. Assistimos, ela dorme em meus braços antes do fim. Fim de um dia sereno. Fim de um dia cheio de paz. Fim de mais um dia na minha vida. Vejo a expressão serena no rosto dela, sinto-me o homem mais rico do mundo e durmo com um sorriso no rosto.

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